Como todos sabem, a pandemia provocada pelo Covid-19 teve um enorme reflexo na economia. A intensidade com que cada setor foi penalizado variou bastante de segmento para segmento, contudo. Enquanto supermercados, farmácias e determinados serviços públicos conseguiram reduzir o prejuízo, setores como aviação, turismo e restaurantes foram enormemente afetados por conta do isolamento social adotado para conter a pandemia. Em se tratando do varejo, o setor mais atingido foi o de varejo de moda (vestuário, calçado e tecidos), conforme indica a última pesquisa mensal do comércio divulgada pelo IBGE, referente ao mês de abril (Figura 1). A crise provocada pelo coronavírus diminuiu a renda de muitas famílias, o que impactou no consumo de itens supérfluos, como é o caso de vestuário e calçados. Além disso, a prática do isolamento social freou ainda mais a compra de roupas, já que o convívio social é um dos aspectos que mais estimulam a moda.
Figura 1: Volume de vendas do comércio varejista e varejista ampliado. Fonte: IBGE – PMC Setorial – abril/2020
Com as lojas físicas fechadas em grande parte das cidades do Brasil e do mundo, muitas marcas viram no varejo virtual a chance de se manterem vivas no mercado. Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), até o começo das ações para conter o coronavírus no País (início da segunda quinzena de março) a média era de 10 mil aberturas de lojas virtuais por mês. O número saltou para 50 mil mensais logo após os decretos de isolamento social, ou seja, um aumento médio de 400% no número de lojas que abriram o comércio eletrônico por mês durante o período da quarentena no Brasil. Em pouco mais de 2 meses de quarentena, foram 107 mil novos estabelecimentos criados na internet. Os setores de calçados e moda estão no Top-6 de segmentos com maior aumento do número de vendas online segundo levantamento da ABComm e da Konduto, com crescimento de 99,44% e 18,38% respectivamente.
Neste mesmo movimento, muitos micros e pequenos negócios aderiram ao marketplace de grandes empresas para conseguir faturar durante a crise e venderem os seus estoques. Uma das principais iniciativas neste sentido veio da Magazine Luiza, que lançou o programa Parceiro Magalu ainda em março, no início do período de quarentena, para atrair esses pequenos comerciantes que ficaram sem cliente por conta do fechamento de suas lojas físicas. Segundo informações da empresa, mais de 20 mil lojistas já se cadastraram no marketplace e passaram a vender mercadorias pela plataforma.
Outra empresa que ampliou o seu marketplace no período foi a B2W, responsável pelas operações da Americanas.com, Submarino e Shoptime. A companhia também criou um hotsite de incentivo ao comércio local, ampliou a oferta de crédito, antecipou repasses de vendas e intensificou o apoio de logística e distribuição, além de treinar e capacitar 2,8 mil vendedores.
Considerando as lojas que já possuíam o seu e-commerce antes do Covid-19, muitas relataram uma grande mudança no portfólio de compra dos consumidores. A adoção do isolamento social fez com que muitos profissionais passassem a trabalhar de casa, o que acarretou na substituição dos trajes geralmente usados: ao invés de roupas sociais e sapatos, roupas confortáveis, como moletons, leggings, pijamas, meias e chinelos.
Com o aumento do número de videoconferências sendo realizadas, um outro fenômeno curioso foi observado: como em geral apenas a parte superior do corpo das pessoas aparece na câmera, muitos trabalhadores se arrumam apenas da cintura para cima. Isto acarretou em um aumento do número de compra de blusas, camisas e casacos em comparação a compra de calças e saias, conforme relatou o vice-presidente do Walmart, Dan Bartlett, durante uma entrevista ao Yahoo! Finance. Esta tendência até foi motivo de brincadeira pela marca de moda masculina Suitsupply em suas redes sociais. Através da publicação da foto de um modelo parcialmente vestido, a marca escreveu em seu Instagram: “Trabalhar em casa não significa comprometer o estilo. Mantenha sua aparência profissional – ao menos da cintura para cima” (Figura 2).
Figura 2: Propaganda da Suitsupply durante o período da quarentena. Fonte: Instagram da Suitsupply
Essas mudanças no padrão de compras do consumidor e a impossibilidade de se prever isso durante os ciclos prévios de planejamento da demanda tiveram um grande impacto no estoque de muitas empresas, como escreveu a gerente do ILOS Beatris Huber em seu post Efeitos da pandemia no estoque de ciclo. Enquanto determinados itens do portfólio das lojas entraram em falta por conta do aumento inesperado da demanda, outros estão com estoques inflados em razão da queda de consumo. Para atacar este último problema, marcas do varejo de moda como GAP, Calvin Klein, Carter’s e Ralph Lauren disseram que pretendem guardar parte dos seus estoques para as próximas temporadas. Se aproveitando do fato de que o fechamento das lojas físicas impediu que os clientes vissem as atuais coleções do catálogo, essas marcas parecem ter optado por carregar por mais tempo os seus estoques para depois poder vender as suas peças com o preço cheio. Esta estratégia, no entanto, demanda um grande investimento financeiro, já que as empresas de varejo de moda precisarão produzir novas coleções sem ter o dinheiro da venda da coleção antiga, uma vez que esta poderá demorar até 1 ano para ser vendida caso a marca espere a mesma estação do ano para disponibilizar os itens, por exemplo. Além disso, o varejo de moda demandará um espaço físico maior em seus centros de distribuição e lojas para acomodar esse estoque adicional, o que pode acarretar num investimento ainda maior.
Para marcas do segmento de fast fashion, esta estratégia de empacotamento do estoque é mais difícil de ser adotada, já que as tendências da moda têm grande influência em suas coleções, o que faz com que as roupas sofram mais os efeitos da obsolescência. Por conta disso, lojas como Zara e H&M promoveram grandes descontos de preço para conseguir diminuir os seus níveis de estoque e reduzir o encalhe de peças para as próximas estações. Se por um lado essa estratégia reduz os prejuízos no curto prazo, por outro essas marcas podem ter dificuldade para fazer a remarcação dos preços no período pós-pandemia e garantir a adesão dos consumidores ao novo patamar de valores dos itens. Há ainda o risco de reduzir o valor da marca percebido pelo cliente, o que pode trazer grandes consequências no longo prazo.
Após o final da quarentena, as marcas também precisarão trabalhar em suas bases de venda para eliminar os efeitos da pandemia em suas séries históricas e poder utilizá-las novamente para fazer a sua previsão de vendas. Para saber mais sobre isso, consulte o post Como realizar ajustes no planejamento da demanda no pós-pandemia publicado pelo consultor do ILOS Henrique Alvarenga.
Frente a tantos desafios inesperados, este momento exige resiliência e inovação do varejo de moda. Conforme for ocorrendo a flexibilização da quarentena e o fluxo de pessoas nas ruas aumentar, as empresas sobreviventes da crise deverão vivenciar uma situação melhor. No entanto, é difícil imaginar que os antigos hábitos de compra se manterão após a humanidade enfrentar um revés de tamanha proporção. Quem conseguir antever e se adaptar mais rápido a este novo “normal” deverá ter vantagem no mercado.
Referências:
– O Estado de S. Paulo – Impacto do coronavírus nos setores
– IBGE – Pesquisa mensal do comércio – Abr/2020
– IstoÉ Dinheiro – Pandemia do coronavírus faz e-commerce explodir no Brasil
– Época Negócios – Com pandemia Brasil registra abertura de mais de uma loja virtual por minuto
– Mercado e Consumo – E-commerce do Magalu registra crescimento de 73% no primeiro trimestre
– Valor Econômico – Magazine Luíza tem resultado novamente excepcional, diz BB Investimentos
– Valor Econômico – Marketplace ganha espaço e muda perfil das entregas
– CBS News – Coronavirus: social distancing work from home Walmart tops pants sales
– Yahoo Finance – Amid coronavírus, Walmart says its seeing increased sales of tops but not bottoms
– Wall Street Journal – Sales are going out of style at these retailers
– Instagram SuitSupply