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DESAFIOS E OPORTUNIDADES DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO

Um caminhão deve ser tratado como um avião, onde qualquer minuto de capacidade ociosa é irrecuperável.
Desde meados da década de 2000 e mais fortemente após a recuperação da crise de 2008, o Brasil vive o que pode ser chamado de revitalização do setor de transporte rodoviário de cargas. Houve um grande aumento de demanda, em velocidade maior do que a possibilidade de crescimento na oferta do serviço.

O desequilíbrio entre demanda e oferta de transportes, por sua vez, impulsiona um novo ciclo de desenvolvimento do segmento. Além do crescimento do PIB, fatores como expansão da fronteira agrícola, mercados consumidores mais exigentes e distantes dos grandes centros urbanos, a interiorização da atividade econômica e as fortes restrições de capacidade dos outros modais de transporte colocaram ainda mais peso e pressão no lado da demanda no setor rodoviário.
A restrição de aumento de oferta desse serviço deve-se à limitação da capacidade instalada das montadoras e fabricantes de caminhões, ao alto grau de dependência dos motoristas autônomos nesse setor e sua frota envelhecida e sucateada, às dificuldades e falta de investimento nas rodovias, a novas e sempre mais rigorosas restrições legais de operação do segmento e, por fim, desde a implantação dos programas de distribuição de renda, a uma menor barreira de saída aos autônomos que começam a perseguir outras oportunidades de “levar a vida”.
Em outro flanco, vale também destacar o forte processo de profissionalização do setor de logística, no qual as atividades de transporte estão inseridas. Ao olhar para os últimos cinco anos, percebemos a grande quantidade de movimentações de mercado nas composições de capital e controle acionário dos operadores logísticos e transportadores de cargas.
Em um passado não muito distante não havia nenhuma empresa do ramo de logística listada na bolsa de valores brasileira; atualmente, existem várias representantes, como ALL; Tegma; Wilson, Sons; JSL, entre outras. Em paralelo, já é relevante a presença no País de atores internacionais (TNT, DHL, Fedex, UPS, entre outras) e vários movimentos de fusões e aquisições de companhias estão em andamento. Há também a presença e foco de alguns fundos de investimento também atraídos pelo setor e fazendo aportes em empresas de capital fechado ou em “start ups”, como Veloce, Acqes, Rapidão Cometa, Gafor, para citar alguns.
Por fim, e não menos importante, nota-se um forte movimento de formação e atração de grandes executivos, o que traz ainda mais vigor e frescor para esse momento especial e interessante pelo qual passamos.

 

OS DESAFIOS ATUAIS
O Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS) realizou, no ano passado, uma pesquisa com os principais transportadores do Brasil e a comparou com pesquisa semelhante realizada em 2008 pelo Coppead/UFRJ. Nessa comparação, a questão de restrição de oferta se manifesta em diversos dados coletados e sua evolução nos últimos dois anos se apresenta no quadro abaixo:

Com base nesse cenário de aumento de demanda e na dificuldade de contrapartida de oferta e também na reorganização e maior profissionalização dos transportadores, fica relativamente simples prever uma forte pressão por aumento de preços de transporte. No fundo, tal previsão já vem se cumprindo e sua materialização compõe relevante variável de pressão inflacionária. É importante notar que, se essa pressão não for abordada de maneira holística e propositiva por todos os atores da cadeia de distribuição, tende a se agravar e trazer importantes impactos já no curto prazo. Em suma, o primeiro e maior desafio do setor é buscar,     se não uma redução, pelo menos a manutenção dos patamares de custos relativos (% custo/receita) dos embarcadores (quem contrata o frete).
Vale lembrar ainda a crescente questão de normas e restrições de circulação de carga nos grandes centros urbanos. Trata-se de tema polêmico e que sem dúvida se junta no topo da lista de desafios e pressões de custo para operação de transporte de carga. Em recente e ainda inédita pesquisa do ILOS realizada sobre o assunto, obtivemos um número médio estimado em 20% de aumento de custos na cadeia de distribuição urbana, fruto dessas novas, variadas e crescentes restrições de circulação de veículos de carga.
Na outra ponta dos desafios, é preciso analisar a questão do serviço. Nesse aspecto há uma clara tendência de aumento nos graus de exigência dos clientes em conjunto com uma grande dificuldade na renovação, contratação e treinamento dos motoristas e operadores de entrega de cargas. Não só a regulamentação e formalização do setor estão aumentando, como também a quantidade de tecnologia embarcada nos veículos e os requerimentos técnicos exigidos para os motoristas são barreiras cada vez mais altas de se ultrapassar. Grandes transportadores que possuem capacidade de investimento e renovação de frota se encontram impedidos de crescer em sintonia com a demanda pelo serviço, por absoluta falta de mão de obra.
Outra dimensão que afeta negativamente o serviço é a péssima infraestrutura rodoviária nacional. O Brasil possui por volta de 212 mil quilômetros de rodovias pavimentadas para uma área total de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Para comparar, os EUA possuem 4,21 milhões quilômetros de rodovias pavimentadas para uma área de 9,1 milhões de quilômetros quadrados; na China a relação é 1,6 milhão de quilômetros para 9,3 milhões quilômetros quadrados e na Índia, de 1,5 milhão de quilômetros para 3 milhões de quilômetros quadrados. Em outras palavras, mesmo com todo investimento privado e grande esforço gerencial nas empresas do setor, ficará cada vez mais difícil alcançar uma boa prestação de serviços para uma economia crescente, mais bem distribuída e cada vez mais capilarizada.
Fechando a relação dos grandes desafios, é preciso mencionar a pressão cada vez maior por iniciativas de responsabilidade ambiental, tendência forte em todos os mercados e que atinge também o segmento de transporte. Já há embarcadores adotando a pegada de carbono como uma das métricas relevantes na definição de sua estratégia de transportes, sendo o modal rodoviário um emissor menos competitivo quando comparado a modais como o hidroviário, dutoviário e ferroviário.

OPORTUNIDADES E INICIATIVAS

Diante desse quadro, a grande motivação dos executivos é superar os grandes desafios e utilizar-se do transporte rodoviário para trazer vantagens competitivas e sustentabilidade para seus negócios. Boas iniciativas estão brotando no setor, tanto no ambiente empresarial quanto em áreas de governo, comprovando que é sempre em momentos de grandes desafios que os ciclos de maior desenvolvimento e a quebra de paradigmas acontecem.

 

Na área oficial, encontramos alguns planos de investimento cobertos pelos programas PAC 1 e PAC 2 que visam aumentar a cobertura geográfica das rodovias pavimentadas, bem como melhorar as condições de rodagem e segurança dos transportadores. Infelizmente, o maior quinhão do PAC ainda continua na fase de “carta de intenção”, mas não se podem desconsiderar alguns investimentos em duplicação de vias e extensões de rodovias já em andamento. Um bom exemplo de obra importante (embora não seja parte do PAC) e já entregue é o trecho sul do rodoanel de São Paulo.
Uma segunda frente do governo, tão importante quanto os investimentos em infraestrutura, é o aumento da formalização do setor e busca por maior regulação. A extinção da “carta frete” está datada para o final de outubro e, embora não haja muita gente atenta ao fato, trata-se de marco significativo e que vai trazer melhores resultados e liberdade de operação aos autônomos, além de ser uma forma de fiscalizar o setor e criar uma comprovação de fonte de renda formal e que poderá ser utilizada pelo autônomo no advento de uma busca de crédito para renovação de seu caminhão, por exemplo.
Do lado das empresas, há uma tendência de uso intensivo da tecnologia de informação com vistas ao ganho de maior eficiência operacional e produtividade dos ativos. Independentemente da posse direta ou indireta (contratação de serviço) dos ativos de transporte, tornou-se fundamental uma eficiente e monitorada gestão de veículos. Não apenas pelo barateamento e maior acesso às novas tecnologias como também pela relevância de aperfeiçoar os fluxos e saturar ao máximo os veículos de carga. A maior visibilidade ao longo de toda a cadeia de distribuição e uma perfeita integração entre suas etapas geram maior sincronia na aplicação dos veículos, ajudando a diminuir as componentes de pressão de custos e trazendo eficiência operacional aos circuitos de transporte. O ponto máximo dessa tendência se materializa nas centrais de tráfego ou centros de controle operacionais, antes apenas comuns nos transportadores e atualmente parte do negócio de vários embarcadores.
Outra iniciativa na área de investimentos em tecnologia a destacar é a retomada nos estudos e desenvolvimentos de novos tipos de veículos e perfis de frota. Tanto as montadoras quanto as transportadoras voltaram a investir no desenvolvimento de ativos de transporte mais ágeis, flexíveis, leves, “verdes”. Ainda nessa seara, os equipamentos e atividades de carga e descarga também têm sido alvo de inovação, principalmente pelas diminuições de tempo e maiores exigências das janelas de entrega. Como confirmação dessa oportunidade, há operadores que estão se especializando em desenhar ativos e operações dedicadas por tipo de indústria e até cliente, a depender do porte dessas operações.
Uma terceira e grande iniciativa adotada para buscar maior eficiência na cadeia de distribuição é a prática de transporte colaborativo. Sempre que o mercado se vê enfrentando restrições de oferta de transporte, os embarcadores se tornam sócios dos prestadores de serviço na busca por eficiência operacional, e isso traz uma maior facilidade na busca de compartilhamento de capacidade de transporte para circuitos de carga de diferentes empresas. Bons exemplos disso têm sido o trabalho de carga de retorno (“back Hault”) dos varejistas com seus maiores fornecedores. Simplificando o conceito: o caminhão que leva cargas do centro de distribuição do varejista para suas lojas, após fazer esse serviço passa pelas fábricas de alguns fornecedores do varejista e retorna carregado ao centro de distribuição.
Há ainda o compartilhamento de cargas em um mesmo sentido ou canal de distribuição. Isso tem sido notado, por exemplo, em operações de distribuição urbana em que um mesmo veículo entrega cargas de diferentes clientes para um mesmo ponto de venda. Esse é um conceito bastante praticado no exterior e, inclusive, origem de alguns dos operadores de transporte fracionado de classe mundial.
Por fim, e não menos importante, gostaria de destacar a relevância de se aplicar uma mescla dos conceitos e práticas de negócios descritos, lembrando que tudo isso só ficará de pé se houver um foco na gestão operacional e no gerenciamento da rotina da operação de transporte. Um caminhão deve ser tratado como um avião, onde qualquer minuto de capacidade ociosa é irrecuperável. Não é demais lembrar que uma competitiva operação de transporte pressupõe indicadores de acompanhamento claros, mensuráveis, um monitoramento real e uma boa gestão das exceções. Esse é o caminho básico e insubstituível para uma boa operação de distribuição rodoviária de cargas, independentemente de mudanças externas ou variações de cenários.

 

*Artigo publicado na edição de outubro da HARVARD BUSINESS REVIEW BRASIL

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