Ontem à noite, 22/11/2015, o programa Fantástico da Rede Globo apresentou reportagem sobre o uso de substâncias estimulantes ilegais, sobretudo cocaína e anfetamina, por parte considerável dos motoristas de caminhões no Brasil. Resultado de testes de queratina, a partir de amostras de cabelo de 100 motoristas, coletadas na CEASA de Campo Grande e em Rondonópolis/MT, apontou que 34% dos motoristas haviam utilizado drogas nos 90 dias anteriores ao teste.
Apesar de alarmante, e confirmar uma situação problemática conhecida dos profissionais de logística no Brasil, é necessário fazer algumas considerações para o pleno entendimento da situação exposta pelo Fantástico. Ressalto a importância de tratarmos a questão e não pretendo desqualificar a reportagem, mas acredito que o problema é complexo demais para conclusões apressadas e simplificadas e pretendo, tão somente, contribuir com algumas informações.
Em primeiro lugar, apesar da indubitável relevância do tema, é impossível não fazer uma crítica a amostragem utilizada na pesquisa. Testar apenas 100 motoristas em localidades como Campo Grande e Rondonópolis não permite uma extrapolação dos resultados para todo o Brasil, como sugere a reportagem. Rondonópolis é uma importante cidade na rota de escoamento da safra de grãos e a CEASA é um entreposto comercial de produtos agrícolas e, em ambos os casos, a movimentação dos produtos é feita sobretudo por motoristas autônomos.
A reportagem associou a perecibilidade dos produtos agrícolas a enorme pressão sobre os prazos de distribuição, o que obrigaria os motoristas a usarem estimulantes ilegais para se manterem acordados e dirigindo por longas jornadas. Apesar de não ser uma inverdade, é preciso considerar que a Lei 13.103/2015 (em substituição a Lei 12.619/2012), conhecida como Nova Lei dos Motoristas, que regulamenta as formas de remuneração e a jornada de trabalho dos motoristas, amenizou enormemente esta pressão, sobretudo para os motoristas contratados e agregados por empresas, pois a fiscalização de seu cumprimento independe da ação dos agentes públicos, uma vez que não respeitada, o próprio motorista pode acionar a empresa na Justiça do Trabalho.
No entanto, a lei provoca pouco efeito prático para a jornada do motorista autônomo, majoritário na região e no tipo de carga usados na amostra, pois este determina “livremente” suas horas de trabalho. Aqui, sim, entra a responsabilidade indireta dos gestores de logística na questão. A pressão exacerbada pela redução dos valores de frete pode, sim, em última análise estimular este tipo de prática, na medida em que obriga o motorista a andar acima da velocidade recomendada e dirigir por longas jornadas para liberar o mais rápido possível a carga e ficar disponível para o próximo fretamento.
Obviamente, o baixo valor do frete é resultado do excesso de oferta no mercado, resultado da omissão governamental sobre a regulamentação e fiscalização de tão importante atividade, uma vez que 4 milhões de veículos pesados circulam diariamente pelas estradas do país, segundo o DENATRAN. Adicione a isto, a enorme pressão de custos para as empresas que o governo adiciona com o retorno da CIDE e o aumento do diesel em um momento de crise econômica e redução da demanda.
A reportagem sugere também que o grande número de acidentes nas estradas (segundo dados da PRF, foram 8.227 registros de acidentes com óbito em 2014) é resultado do uso destas substâncias. Não obstante ser um ingrediente adicional para consolidar o Brasil com um dos países com maior número de mortos nas estradas, não podemos desconsiderar que antes de causa, o uso de drogas estimulantes é consequência, assim como o excesso de velocidade e o cansaço ao volante.
Assim, somos todos responsáveis pela situação: motoristas, executivos e governo! Não adianta uma empresa se dizer socialmente responsável e contratar motoristas para realizar suas entregas e achar “normal” quando ele faz uma rota de 1.500 km em 24 horas, como apresentado pela reportagem. Não adianta o governo culpar a ganância das empresas se é incapaz de oferecer estradas adequadas, sinalizadas e com paradas com segurança para os motoristas. Ou é “normal” aparecer traficantes a cada parada na estrada, como mostra a reportagem?
Não podemos, nem devemos, nos omitir diante desta alarmante situação, como se fosse algo “normal”!
Para assistir a reportagem do Fantástico na íntegra, acesse o link a seguir:
http://globoplay.globo.com/v/4626758/
Referências
<http://globoplay.globo.com/v/4626758/>
<http://www.denatran.gov.br/frota2015.htm>
<http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-13103-2015.htm>
<https://www.prf.gov.br/portal/>
<http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1102/noticias/o-pior-caminho>