Em minha experiência em projetos de consultoria relacionados à Gestão de Estoques, é muito comum sermos demandados a definir políticas de estoques para uma empresa e a calcular os níveis de estoques de segurança adequados para cada item ou grupo de itens. Porém, o que observamos muitas vezes é uma certa confusão no entendimento da teoria por trás de um dos principais parâmetros para tal análise: o nível de serviço.
Para iniciar, vale relembrar a fórmula clássica do estoque de segurança, que considera que a distribuição de demanda e lead times de fornecimento seguem uma distribuição normal. Nesta fórmula, apresentada na figura 1, temos, dentro da raiz, os parâmetros de média e de desvio padrão, tanto para a demanda quanto para o lead time de fornecimento. Fora da raiz temos o parâmetro k, relacionado ao nível de serviço. No presente artigo, gostaria de explorar um pouco sobre esse parâmetro: quais são as formas de calculá-lo e os cuidados em seu uso e definição.
Para definir o nível de serviço a ser usado na análise do estoque de segurança, a princípio podemos adotar dois caminhos: o primeiro seria calcular qual deveria ser o nível de serviço ótimo, que balanceia os custos da falta e do excesso, enquanto o segundo seria a partir de uma definição estratégica, em que os gestores da empresa definem um nível de serviço almejado para aquele item. No primeiro caso, precisaremos obter informações sobre a margem de contribuição do produto (que está relacionado ao custo da falta) e sobre os custos de oportunidade, armazenagem e perdas (que estão relacionados ao custo do excesso). Com esses parâmetros, é possível calcular o nível de serviço ótimo. Porém, é fundamental entender de que nível de serviço estamos falando, que nesse caso é o Cycle Service Level (CSL) ou Nível de Serviço de Ciclo. O nível de serviço de ciclo representa a probabilidade de não haver ruptura durante 1 ciclo. Este ciclo representa o intervalo entre reabastecimentos, ou seja, se a cada semana eu recebo um novo lote de produtos em meu estoque, o CSL representaria quantas semanas dentro do ano eu entrei em ruptura deste item (mesmo que tenha sido de 1 item durante 1 dia nesta semana). Utilizando um exemplo numérico (figura 2), num intervalo de 50 semanas (quase 1 ano), um CSL de 96% significaria que em somente 2 semanas destas 50, eu entrei em ruptura.
Já a segunda estratégia consideraria uma definição top-down de qual nível de serviço se almeja para determinado item. Neste caso, é bastante usual utilizar como referência o indicador de fill rate para o nível de serviço a ser alcançado. Isso é comum porque o indicador de fill rate, como foi abordado em post escrito pelo consultor Bruno Peixoto, é um indicador estratégico, amplamente utilizado pela indústria e bastante conhecido por executivos das áreas de operações, planejamento e supply chain. Porém, utilizar o indicador de fill rate como referência para cálculo do parâmetro k da fórmula do estoque de segurança é equivocado, visto que o fill rate considera o volume associado à ruptura, enquanto o CSL (que é a referência correta para k) representa a frequência em que as rupturas ocorreram. E estes valores podem ser bem diferentes, como se observa no exemplo da figura 2: enquanto o CSL atingiu 96% no período analisado, o fill rate é de mais de 99%, visto que o volume de demanda não atendida representa muito pouco comparado com o total de demanda das 50 semanas.
É fundamental entender estes conceitos para utilizá-los da maneira apropriada no momento de definir qual estoque de segurança será mantido para cada item, evitando, assim, custos elevados por conta de um erro de parametrização. Mas a pergunta que fica é: como se relaciona o CSL e o Fill Rate, é possível calcular um a partir do outro? A resposta é que sim! Mas isso já é um tema para um próximo post.
Referências
- ilos.com.br/fill-rate-importancia-e-estrategias-para-melhorar-o-indicador/
- web.mit.edu/2.810/www/files/readings/King_SafetyStock.pdf
- blog.arkieva.com/cycle-service-level-versus-fill-rate-service-level-part-one/