Ligação entre Goiás e Tocantins fica pronta, mas só deve escoar safra em 2015.
ANÁPOLIS (GO) – A expectativa da inauguração do trecho entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) da ferrovia Norte-Sul pela presidente Dilma Rousseff, na próxima quinta-feira, provocou intensa agitação no canteiro da obra, na semana passada. O clima entre trabalhadores e empresários do porto seco da região era uma mistura de esperança, por ver a instalação dos trilhos 27 anos depois do começo das obras na ferrovia, espera, e ceticismo.
É que o recebimento de produtos da região Norte até o coração do cerrado e o escoamento de safra agrícola para os portos de Norte e Nordeste dependem da definição de quem vai operar esse trecho da Norte-Sul. Em ano eleitoral, o governo tem pressa em inaugurar a obra, mas só na segunda-feira passada convocou as empresas interessadas em operar a linha, a primeira de um novo modelo de uso da malha ainda não testado, que pressupõe duas figuras independentes: o concessionário da linha e o operador, que fará o transporte de carga.
— Para usar a linha, preciso saber quem vai operar, qual vai ser o preço e como será a condição do porto de Itaqui (MA) para receber a minha carga, porque ele não tem terminais adaptados para receber os meus produtos — reclamou Sebastião Osmar Albertini, gerente da unidade de Anápolis da Granol, empresa de produção e comercialização agrícola à beira dos trilhos, com potencial de escoamento de um milhão de toneladas por ano pela Norte-Sul.
‘Não tem onde conectar’
Albertini não espera tirar da estrada os cerca de 200 mil caminhões por ano que poderão ser substituídos pelo uso da ferrovia. O terminal que receberá farelo de soja em Itaqui só deve ficar pronto em novembro, quando a agroindústria estará em fase de manutenção para receber a próxima safra. Com a ferrovia ativa, a estimativa é que a partir dos portos do Norte, o frete marítimo seja reduzido em ao menos quatro mil quilômetros até a América do Norte e Europa. O empresário também não sabe qual será a solução para suprir o mercado de vagões no período de escoamento da safra, quando puder usar a Norte-Sul.
— Este ano, não acredito que tenhamos oportunidade de operar (na Norte-Sul), porque falta estrutura portuária para receber o produto acabado, no nosso caso, o farelo de soja, e colocá-lo em navio. Até existe estrutura hoje (em Itaqui), mas voltada para grãos e não para produto acabado — previu.
Rodrigo Vilaça, presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), reforça a avaliação:
— Anápolis não está pronta, neste ano não vai ter impacto nenhum (no volume de carga transportado), não tem pátio intermodal, não tem onde conectar — disse.
Gastos adicionais de R$ 400 milhões
Ao contrário dos empresários, a Valec, estatal responsável pela construção da ferrovia, mostra-se bem mais otimista e prevê que a Norte-Sul “proporcionará, a partir de outubro, o embarque de farelo de soja, da safra 2013, para o porto de Itaqui, quando as instalações de carregamento da indústria Granol estarão operacionais”. Segundo a Valec, até que uma nova empresa demonstre interesse em operar a linha, o transporte das cargas poderá ser feito pela empresa VLI, que já opera o trecho da Norte-Sul entre os estados do Maranhão e do Tocantins.
A entrega do trecho da Norte-Sul entre Palmas e Anápolis foi prometida para 2010, ainda no governo Lula, e depois incluída em vídeo de campanha da presidente Dilma, no mesmo ano. A obra teve orçamento inicial de R$ 4,28 bilhões, que foi acrescido de cerca de R$ 400 milhões nos últimos anos para suprir gastos excepcionais, por conta de deficiências no projeto original, superfaturamentos apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e obras mal executadas e refeitas. Entre a primeira campanha de Dilma e a que está por vir, o ex-presidente da estatal Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, foi preso na operação Trem Pagador da Polícia Federal por ocultação e dissimulação da origem de dinheiro de contratos de trechos da Norte-Sul.
Parte das obras remanescentes, contratadas pela Valec, ainda deverá ser concluída após a inauguração, como a complementação de taludes (rampas) de concreto. Segundo a Valec, do total desses contratos que somam R$ 400 milhões, R$ 238 milhões já foram efetivamente gastos. As empresas contratadas também deverão oferecer manutenção em um período imediatamente após a inauguração, em contratos que vão até fevereiro.
— Para 2015, o trecho a partir de Anápolis estará funcionando com tudo pronto, levando a próxima safra agrícola — disse Bento José de Lima, diretor de Operações da Valec.
Frete pode cair até 30%
Apesar dos problemas, a euforia é grande no Porto Seco Centro-Oeste, o maior do país longe do litoral. O transporte de grãos por caminhão tem perda média entre 22% e 25%. A ferrovia deve reduzir os fretes em 30%, calcula Edson Tavares, diretor-superintendente do Porto Seco Centro-Oeste, em Anápolis. As empresas da região dos ramos de veículos, produtos farmacêuticos, isolantes térmicos, alimentos, entre outros, preveem possibilidade de exportar 30% mais por via férrea.
— A ferrovia vai dar uma nova reengenharia de logística aqui na região. Temos um volume de carga na nossa região que sai pelos portos do Sul e essa carga vai passar a sair pelos portos do Norte — prevê Tavares.
Na ponta norte da ferrovia, o governo ainda espera empresas privadas interessadas no empreendimento para licitar a obra do trecho entre Açailândia (MA) e o porto de Barcarena (PA). O plano de inaugurar o trecho ainda neste governo corre o risco de não se realizar e nem no próximo, se tomado como base o ritmo de construção do restante da Norte-Sul.
Sem a conexão com Barcarena, o acesso aos portos do Norte é feito hoje via rodoviária ou pela ferrovia de Carajás, que liga a Norte-Sul ao porto de Itaqui. No lado Sul, a parte mais adiantada da obra é o trecho entre Ouro Verde de Goiás (GO) e Estrela D’Oeste (SP), orçado em R$ 2,7 bilhões. O prazo original de entrega da obra era março de 2009, mas com os adiamentos passou para abril de 2015.
Fonte: O Globo
Por Danilo Fariello