Nos últimos meses, tenho interagido com executivos de grandes indústrias por meio de projetos e cursos e as dores têm sido muito semelhantes: níveis de estoques altíssimos a ponto de faltar capacidade de armazenagem e, ao mesmo tempo, altos índices de ruptura prejudicando as vendas. Isso me fez refletir sobre algumas causas para esse fenômeno e minha maior conclusão é que não é possível culpar apenas uma área da empresa.
O desequilíbrio no inventário significa que os estoques estão alocados nos produtos errados. Enquanto os produtos com baixa demanda estão com excesso de estoque ocupando espaços nos armazéns e consumindo capital de giro, os produtos com alta demanda estão com estoques subdimensionados gerando perda de vendas e insatisfação dos clientes. Talvez o excesso de estoque de uns produtos esteja até causando a falta de outros, pois seu excesso limita espaço e capital para investir no estoque do produto correto. Mas por que os estoques estão alocados nos produtos errados? Tenho 4 hipóteses:
1. Parâmetros descalibrados
Os parâmetros de estoque de segurança, estoque mínimo, estoque alvo, ponto do pedido, lote de pedido são definidos de acordo com lead times de fornecimento e produção esperados e desvios, previsão de demanda e sua acuracidade, acuracidade do inventário, duração dos ciclos de decisão, custo do capital de giro e importância estratégica de cada produto. Apesar dessas variáveis serem inputs fundamentais para a parametrização das decisões de estoques, elas estão totalmente fora do controle do planejador de estoque. As áreas de compras, armazenagem, transporte, planejamento, comercial, financeira e diretoria que influenciam essas variáveis, impactando diretamente nos parâmetros de decisão dos estoques. Se as metas e cadastros dessas variáveis não refletem a realidade, os parâmetros de estoque ficam automaticamente descalibrados, gerando excesso de produtos de baixo giro e falta de itens com alta demanda.
2. Portfólios desequilibrados
Há tempo que a variedade de produtos não para de crescer, são muitos lançamentos de marcas, cores, sabores, funcionalidades, tamanhos de embalagens e poucas descontinuações de produtos gerando um aumento geral dos portfólios. A demanda é limitada e se dilui entre os diferentes produtos, gerando itens de sucesso e outros com baixa demanda, conhecidos como itens C ou cauda longa. As lógicas de produção, por sua vez, se fazem valer da escala para diluir seus custos fixos e de set-up, definindo lotes mínimos de produção, que resultam em altas coberturas de estoque dos itens C. As áreas de marketing e produção são protagonistas nesse efeito, sendo responsáveis pelo desequilíbrio do portfólio e excesso de estoque para os itens de baixa demanda.
3. Prazos apertados de entrega para clientes
As exigências de serviço estão cada vez maiores e os clientes estão solicitando prazos de entrega cada vez mais curtos. Para conseguir cumprir esses prazos, a indústria precisa rever sua rede de distribuição, instalando CDs avançados e aumentando o número de pontos de estoque. Para manter o nível de disponibilidade em uma rede com mais pontos de estoque, é necessário aumentar nível de estoque de segurança geral. Essa é uma decisão estratégica tomada pela diretoria que, para oferecer prazos mais curtos de entrega, aumenta o número de pontos de abastecimento e acaba gerando excessos e faltas de estoque do mesmo produto em localizações diferentes.
4. Efeito chicote
O efeito chicote representa a distorção da percepção da demanda ao longo da cadeia de suprimentos, causada pela diferença entre as vendas para os clientes e os pedidos para os fornecedores de cada elo. Os lotes mínimos estabelecidos na cadeia, os prazos de fornecimento e as incertezas de fornecimento e demanda causam picos e vales de movimentação de produtos na cadeia gerando excessos e faltas de estoques não sincronizados entre elos e produtos. O principal responsável por esse efeito são as relações transacionais entre clientes e fornecedores. As áreas de compras e comerciais, com suas relações tradicionais de negociação entre os elos, criam isolamento e decisões focadas no benefício local, gerando o efeito chicote na cadeia.
Como podemos ver, mesmo que o gestor de estoques mantenha seus dados atualizados e use os melhores métodos e políticas de estoque, ele pouco influencia no resultado final do estoque se não influenciar outras áreas da sua empresa ou até outras empresas da sua cadeia de suprimentos. Os estoques compõem trade-offs de decisões de diferentes áreas como marketing, comercial, compras, financeiro, serviço ao cliente, planejamento, produção, transporte, armazenagem e diretoria.
As soluções para essas 4 possíveis causas de desequilíbrio dos estoques são de natureza multidisciplinar. É preciso aumentar a frequência de revisão dos parâmetros, atualizar os dados mestres e cadastros. TI precisa ser envolvida na integração e visibilidade de dados. As diferentes áreas precisam de processos robustos e bem executados para manter os dados acurados e atualizados. Também é importante o saneamento do portfólio, mantendo os produtos rentáveis ou estratégicos e descontinuando aqueles cujo lote mínimo supera muito a demanda. Outra iniciativa é revisar a política de serviço estando atento à rentabilidade do cliente (reduzir prazos exigem aumento dos níveis de estoque, consequentemente aumento de custos, que precisam ser refletidos no preço para que a margem não seja prejudicada). Por último, é preciso investir em colaboração e visibilidade na cadeia para reduzir o efeito chicote.
Encontrar o melhor equilíbrio dos estoques é fundamental para manter os custos da companhia sob controle e para não prejudicar a receita. Apesar das empresas geralmente possuírem uma área responsável pela saúde dos estoques, essa área sozinha não possui total influência sobre eles. A Figura 1 mostra diferentes fontes de influência dos estoques e as diferentes áreas envolvidas, provando a natureza complexa e multidisciplinar na busca pelo equilíbrio dos estoques. No curso online de Gestão de Estoques, nós discutimos como tomar as melhores decisões sobre os estoques, considerando todas essas interfaces e trade-offs inerente às decisões. A discussão fica muito rica com os exemplos de projetos, exercícios e trocas entre os participantes.

Figura 1: as diferentes relações de influência na busca pelo equilíbrio dos estoques