Há muitos anos, me falaram que gestão da cadeia de suprimentos é o trabalho de coordenar um fluxo de produtos versus um contrafluxo de informações. Logo depois fui apresentada ao conceito dos trade-offs logísticos e como os profissionais de supply chain lidavam com os ciclos de tomada de decisão buscando otimizar os resultados. Parecia que a logística era a ‘arte de tomar decisões com poucas informações em curtos espaço de tempo’.
Não preciso dizer que hoje, parte dessa frase deve ser revisada. Nos últimos anos, o fluxo de informação cresceu exponencialmente, basta uma pesquisa rápida online para ver a quantidade de dados que são gerados diariamente. O desafio não é mais o de poucas informações disponíveis na mão do tomador de decisão, mas sim o de interpretar as informações de forma bastante apurada para tomar decisões rápidas em um ambiente de constante mudança.
Esse cenário desafiador é evidente no processo decisório do planejador de demanda. Antes, esse profissional lidava com alguns SKUs e poucas quebras de informação. Hoje são milhares de SKUs, centenas de CDs, incontáveis pontos de venda. Além disso, as incertezas de mercado acabam pressionando o planejador a tomar decisões muito rápidas.
Nesse cenário, nosso cérebro, buscando interpretar essa enorme quantidade de informações de formar ágil e com restrições de tempo, recorre a atalhos mentais, ou regras simplificadoras que nos ajudem a tomar uma decisão. Essas estratégias são chamadas heurísticas e, apesar de seu valor e importância no nosso dia a dia (imagine ter que processar todas as informações que recebemos do ambiente, desde a temperatura do ambiente até a cor da parede, para decidir com qual pé vamos levantar da cama?), elas podem levar a conclusões não acuradas ou enviesadas.
Por exemplo, se você jogasse uma moeda não viciada 6 vezes. Qual das sequencias abaixo tem mais chance de aparecer?
Tenho quase certeza de que sua primeira resposta foi a sequência 1. Porém se analisarmos a probabilidade de uma moeda dar cara ou coroa como 50%, a chance de ocorrência das duas sequências é a mesma. Então por que a primeira sequência nos parece mais provável? Isso ocorre, pois, a primeira nos parece ser mais aleatória que a segunda e, como assumimos o lançamento de moeda como um evento aleatório, tendemos a achar que a primeira é mais provável de ocorrer que a segunda.
Claro, você pode até dizer que isso não acontece no dia a dia do profissional pois somos seres racionais e que nossas decisões são baseadas sempre em fatos e análises. Entretanto, as heurísticas estão mais presentes no dia a dia do gestor da cadeia de suprimentos do que pensamos.
Imagine-se no papel do planejador da demanda de um produto que teve um enorme sucesso de vendas nas últimas semanas por causa de uma promoção bem-sucedida. O seu diretor ficou contente, mas reclama que o planejamento não percebeu o crescimento das vendas corretamente e houve ruptura e gastos extras com pedidos emergenciais. O que você faria no próximo ciclo de planejamento?
Provavelmente, você acharia que seus modelos preditivos estão conservadores e que um ajuste é necessário, afinal, a demanda está aquecida e você não quer ouvir a palavra ruptura tão cedo. Parece uma decisão razoável, certo?
No ciclo seguinte, entretanto, as vendas ficam bem abaixo da sua expectativa. O que aconteceu? O dado de realidade é que os clientes aproveitaram a promoção e se estocaram de produto, o que reduziu a demanda no ciclo seguinte. Entretanto, essa informação não teve tanta significância para você quanto o fato de terem ocorrido rupturas recentes na ponta da sua cadeia e isso levou você a superestimar a demanda.
Se identificou? Acabamos de experimentar a heurística da disponibilidade. Em uma definição mais formal, é o fenômeno que ocorre quando as pessoas tendem a julgar a probabilidade de um evento ocorrer com base em quão facilmente elas conseguem lembrar de exemplos ou ocorrências do evento.
É importante reforçar que essa heurística tem sua importância e valor, quando aplicada na situação correta. Basta lembrar daquela vez em que esqueceu os faróis ligados com o carro desligado fazendo com que a bateria esgotasse, e consequentemente, o carro não desse partida. Tenho certeza, que pelo menos nos primeiros meses, o evento recente (bateria descarregada) nos fez superconscientes da importância de verificar se desligamos as luzes do carro antes de tirar a chave da ignição (algo positivo).
É automático para nosso cérebro buscar essas heurísticas como forma de simplificar e reduzir nossa carga cognitiva. No caso da disponibilidade, é essencial que o gestor tenha consciência que a intensidade de um evento impacta a sua percepção da probabilidade de ocorrência daquele evento. Felizmente, tecnologias como machine learning e técnicas estatísticas atenuam um pouco o efeito que essas regras simplificadoras têm no processo decisório, mas é claro, reconhecer e estar atento a esses vieses é essencial para tomar decisões mais racionais e acuradas.